O que é 1 larp?

Não "o", não "um", mas "1" larp.

Os dois primeiros casos dizem respeito a definições. Para isso ver lá o manifesto Dogma 99 (traduzido a pouco pelo Estéfano Vitagliano, do Oficina Larp), o Guia Larp do Boi Voador, o Nordic Larp Wiki, a página "Larp" na Wikipedia (criada pelo Paulo Merlino do Batalha Campal de Salvador), pá e tal.

O último caso já não sei se foi tão discutido, de modo que vale a pena gastar algumas linhas com isso.

A pergunta vem me cercando há algum tempo já - Akitan é 1 ou vários larps? - e me ocorreu novamente agora, a propósito do livro que está sendo organizado pelo Rafael Rocha, do Narrativa da Imaginação, reunindo "roteiros" de larps nacionais e estrangeiros em português (Cara, vai ser legal demais isso!).

Pensando sobre o assunto, a primeira coisa que me vem à cabeça é que a duração média dos larps diminuiu nos últimos 10 a 15 anos. É tentador acreditar nisso.

A cena nórdica de larp, muito colada na tradição dos rpgs freeform nesses países, tende para jogos mais curtos, com poucos participantes, temática mais dramática, pessoal e emotiva (close to home). Se para definir a unidade de um larp o que vale é o surgimento de um novo roteiro ou proposta de larp, ponto para os nórdicos, que transformaram a forma escrita de um larp numa peça de autoria reconhecida. Luiz Prado e Tiago Campanário tem explorado muito bem esse campo aqui no Brasil.

Eu me lembro que na década de 1990 haviam em Viçosa dois lives de Vampiro: A Máscara: o live da UFV, e o live do João Brás, nome de um bairro da cidade. Esse live também era conhecido como "live do Niererê", nome de um dos organizadores. Mas, naquele tempo, ninguém considerava ele o "autor" daquele larp, tão pouco o Mark Hein-Hagen ou quem quer que tenha escrito o Mind's Eye Theatre. A questão da autoria, quer dizer, da propriedade intelectual de um larp, não existia. Niererê era no máximo o organizador do live e o live era no máximo um evento.

O próprio caso de Akitan é sintomático. Inicialmente a gente dizia "live-action medieval de Viçosa", passado em seguida a "Companhia de larps medievais de Viçosa". Hoje é preciso dizer que nós não somos um larp, mas um povo que faz larps, porque o larp não é mais só o evento, é também uma proposta que está por trás dele e que, em última instância, espera-se agora que seja reaplicável.

Como no design dos RPGs independentes, essa proposta está normalmente focada na produção de 1 experiência específica, o que não significa que não possa produzir outras. Um larp para se despedir de um amigo, outro para representar o drama do alcoolismo e outro para tragédias domésticas e seu impacto sobre as relações em família. Essa especialização corresponde ao desenvolvimento de dinâmicas próprias e inteiramente voltadas àquela experiência singular.

Mas e no caso de um larp que se pretenda a ter uma duração longa, pelo menos maior que um dia? Esses larps se resumem a uma única experiência singular? Podemos dizer que eles são também 1 larp? Todo o problema, como se percebe, se concentra no estatuto atual dos larps de longa duração.

Posso começar agora a ensaiar algumas resoluções.

Um larp é um encontro, já diz a definição clássica do Fatland e do Wingard lá naquele manifesto. Se considerarmos um encontro o tempo pelo qual os participantes estão reunidos jogando o jogo, não estando necessariamente na presença uns dos outros, então 1 larp = 1 encontro – definição que abarca igualmente larps curtos e longos.

Por outro lado, talvez possamos definir 1 larp como o intervalo entre um briefing e um debriefing, dois extremos de um parêntese, como na definição clássica de jogo de Huizinga. Entretanto, isso seria subestimar muito essa segunda definição. A ênfase com que se instaura o parênteses e a sua permeabilidade também é fundamental no jogo. Gramaticalmente falando, parênteses abertos precisam ser fechados, jogos não, jogos às vezes apenas se esvaziam pelo caminho. O debriefing é, portanto, uma tentativa deliberada de evitar esse esvaziamento e recompor/sedimentar uma experiência evanescente. Esse procedimento não corresponde contudo a 1 larp. Assim, no curso de um ou dois dias de evento, seria possível introduzir vários briefings, fazendo apenas um grande debriefing ao final do evento.

Volto para a questão da autoria. 1 briefing, 1 proposta, 1 larp, mas com um saldo diferente, porque, para os larps de longa duração, podemos falar agora em camadas de larp, umas mais gerais, outras mais específicas, parênteses dentro de parênteses operando em conjunto. A passagem de uma camada a outra pode ser mais sutil, prevista no briefing original e passível de ser efetuada dentro do roleplay, ou mais brusca, exigindo um novo briefing para reorientar a experiência.

Por Goshai Daian
Publicado Domingo, 18/05/2014. 08:16h, Atualizado no mesmo dia 09:13h